Ser gentil é preciso, ser hostil não é preciso.
Gentileza gera gentileza, entoava obstinado José Datrino, o Profeta Gentileza, pelas ruas do Rio de Janeiro, invariavelmente trajando sua monástica bata branca.
Gentileza é a cura para o mal-estar na civilização, profetizava o autoproclamado “amansador dos burros homens que não tinham esclarecimentos”.
José Datrino (1917-1996) não estava sozinho em sua luta contra o carma da rudeza coletiva.
Leonardo Boff, escritor brasileiro, em seu artigo “O Espírito da Gentileza” refere-se à cordialidade como ambição antiga. Conta que Blaise Pascal (1623-1662), gênio da matemática, inventor da máquina de calcular, filósofo e místico, considerava a lógica cordial, a qual denominava “lógica do coração”, tão necessária quanto a lógica geométrica para darmos conta da existência. Que faríamos hoje sem a ciência? Que seríamos sem a ética, os caminhos espirituais e a psicologia? Questinava o matemático.
A carência cósmica de boas maneiras é tratada como pandemia social por conceituadas instituições mundo afora. O livro do americano P. M. Forni, professor da Johns Hopkins University, Choosing Civility (Optando pela Civilidade) é resultado de estudos do Civility Project, criado em 1997, do qual Dr. Forni é co-fundador. O projeto agrega comunidades acadêmicas destinadas a avaliar a importância da civilidade e educação na sociedade contemporânea.
Muito além dos conselhos voláteis de manual de auto-ajuda e etiqueta rasa para reuniões festivas, um argumento contundente do “livro da civilidade” é o prejuízo que atitudes hostis causam à saúde física de todos os envolvidos. Os hormônios que o organismo produz quando os ânimos estão exaltados, os mesmos do stress, são vasoconstritores, e, repetitivas descargas causam danos severos ao sistema cardiovascular.
Para o Dr. Forni, dois fatores são determinantes na ocorrência de atitudes grosseiras: o estresse e o anonimato. Ou seja, “não o conheço, não o verei novamente, logo, dane-se!” e, num mecanismo psicológico poderoso, descarrega-se num ilustre desconhecido as humilhações sofridas, frustrações genéricas e insucessos retroativos.
O pesquisador classifica as grosserias em dispersa; idiossincrática ao sujeito “casca grossa” por princípio e militância; e centralizada, cometida com a intenção de constranger uma pessoa determinada.
Mais que falta de bons modos, grosseria centralizada é maldade genuína. E o pior é que o seu equivocado praticante se crê no exercício do poder. Ao contrário, tal conduta é a lamentável exibição da pobreza de alma.
E, parafraseando o Profeta, grosseria, tão abominável quanto humana, gera grosseria, tão humana quanto abominável. Portanto, optar pela civilidade, compete em urgência com o socorro ao planeta. Um meio ambiente sustentável compreende não só a ecologia e sua abrangência. Buracos negros se multiplicam se não investimos na qualidade da convivência. A delicadeza no trato diário com o semelhante é um poderoso lubrificante para as emperradas engrenagens da complexa alcatéia na qual compulsoriamente vivemos.
Enfim, já que ser gentil é preciso porque a lógica cordial é fator de preservação da espécie, deixo como sugestão um costume de criança numa família de muitos irmãos, primos e vizinhança interativa: elaborar uma lista com atitudes alheias condenáveis e tê-la em mente para não fazer aos outros o que odiaria que fizessem a você.
Minha mãe, uma discípula de Gandhi com destreza no manuseio do seu surrado chinelo de borracha, a cada tanto, cobrava dos filhos essa lição de casa.
Gentilileza gera gentileza, mantra de profeta? — Não. Gentileza gera gentileza, é lógica. Lógica do coração.
Marisa Monte canta “Gentileza” para o Profeta. Ouça a música