"Os liberais são os gigolôs da moderação"
Autor de 24 livros, pensador influenciado pelas obras
de Marx, Lukács, Benjamin e Gramsci, o carioca
Leandro Konder, 71 anos, considera a literatura e a
filosofia experiências fundamentais e definidoras
do ser humano.
Em seu último livro “Sobre o amor”
(Ed. Boitempo), lançado este ano, discorre, através
de 23 ensaios, sobre as concepções do
amor em Sócrates, Camões, Goethe, Freud,
Dostoievski, Balzac, Cervantes, Shakespeare, Drummond,
Hegel – entre outros.
Nesta entrevista, o autor de “A derrota da dialética”
mostra que continua a ser um lúcido, influente
e sobretudo bem humorado combatente da causa do socialismo.
ALGO A DIZER –
Militância intelectual e política, no seu
caso, se confundem. Como se deu o início dessas
suas trajetórias política e intelectual?
LEANDRO KONDER –
Meu pai era um velho comunista. Via os amigos dele.
Circulavam na casa. Diziam coisas engraçadas.
Simpatizava, em princípio com eles, mas os achava
meio maluquetes.
Depois do 20º Congresso [do Partido Comunista da
União Soviética, quando se deu a denúncia,
por Kruschev, dos crimes de Stalin – N.E.], meu
pai estava tentando segurar as pontas. Um amigo dele
foi lá em casa e pegou um resto de discussão
entre mim e meu pai. Aí disse: “Valério,
Valério, o Leandro tem razão. Porque,
Valério, mandar é melhor do que foder.”
Achei o cara extraordinário. Alguém lúcido
no meio daquela loucura geral.
Com 15 anos entrei no Partido Comunista Brasileiro (PCB)
e fiquei por mais de trinta anos. Entrei no Partidão,
como era chamado, depois de 45 – em 50, já
estava fazendo campanha pro papai quando ele se candidatou
ao senado. Fiquei até a década de 80.
Em 81, a gente [os anistiados do golpe de 64 –
N.E.] voltou do exterior com a idéia de que o
partido iria seguir o caminho que considerávamos
correto. Basicamente, o caminho italiano, simplificando.
E o partido não seguiu. Ficamos isolados. Aí
seguimos caminhos variados.
Eu, primeiro, fui para o PMDB.
Aqui um parêntesis: minha trajetória política
é horrorosa. Eu não posso liderar porra
nenhuma, porque vai aparecer alguém com boa memória
e pode dizer: “Você não é
aquele convocava para o PMDB?”.
Depois que eu saí, disse uma maldade numa entrevista
que dei a uma revista e que deixou um amigo –
não vou dizer quem – puto comigo. Eu disse:
“Entrei para o PMDB, virei PMDBista. Em seguida,
já havia notado como havia me tornado um PMDBesta.
Mas antes de virar um PMDBosta, dei um PMDbasta.”.
Aí, fui para o Partido Socialista com Saturnino
Braga, um sujeito correto, mas que é, politicamente,
um pai de ingenuidade. Então pensei: “de
ingênuo basta eu, porra!” Foi quando entrei
no PT e agora estou no PSOL.
Não tenho, pois, nenhum talento político,
por falta de sensibilidade e competência. Mas
faço política o tempo todo até
por razões éticas. Eu tenho idéia
de que isso se mistura, paralelamente, com o gosto pelas
artes e pela literatura, ficção.
ALGO A DIZER –
Esse tempo todo de sua militância coincidiu em
boa parte com a existência do chamado socialismo
real, experiência marcante para o bem e para o
mal. Qual a sua avaliação dessa experiência?
LEANDRO
KONDER – Caramba! Como
tinha acabado de confessar, não me sinto competente
para fazer essa análise. A União Soviética,
eu a observava e via que algumas coisas estavam meio
tortas lá. Mas eu não tinha pensado em
alternativas...
Na verdade, eu me beneficiei de uma boa reputação
de ter espírito crítico, independente,
e nem sempre eu mereci essa reputação.
Aí, uma vez, eu fui à UNE, em 62/63, e
encontrei um dirigente do partido, meu ex-assistente,
de manhã, em pé, num bar do Flamengo,
tomando cachaça. Imagine, a decadência
por excelência. Ele me abraçou, ficou emocionado
e disse: “Você é um pioneiro na luta
contra o stalinismo.” Eu fiquei meio assim. Aceitei
mal. Saí de lá e disse pra mim mesmo:
“Eu não sou pioneiro porra nenhuma. Enquanto
Stalin viveu eu era um stalinista: achava que o revolucionário
tinha que ser durão.”. Fiquei com uma fama
de anti-stalinista que não correspondia à
verdade. Mas a fama foi ficando...
ALGO A DIZER –
Nessa época, você já era interessado
pelas idéias de Lukácz, né?
LEANDRO KONDER
– O Lukács – até hoje tenho
um fascínio por ele – foi fundamental na
idéia de que a literatura, as artes, mesmo que
elas sejam de artistas burgueses – às vezes,
inevitavelmente burgueses – são fontes
de uma experiência fundamental para todos nós.
Quem não se interessa por arte e não lê
literatura vai se empobrecer espiritualmente e muito.
Lukács elogiou Thomas Mann, elogiou Balzac. Li
Balzac todo. Levei o velho Lukács a sério.
O caminho é por aí. Aí foi um pouco
de entrosar. Não foi nada programado: foi essa
coisa de gostar de ler Balzac e tentar encontrar uma
maneira de formular em termos marxistas idéias
que estavam sendo meio deformadas na União Soviética.
Isso dava pra gente ver.
ALGO A DIZER –
E falando do Lukács, toda uma crítica
marxista se digladiou ao longo no século XX entre
os defensores do realismo nas artes e a crítica
à vanguarda – o dito formalismo. Veio o
século XXI e os dois viraram história
e agora a gente tem que pensar pra frente. Do núcleo
do realismo é possível preservar alguma
reflexão fecunda?
LEANDRO KONDER –
Acho que sim, mas não tenho fundamentos
teóricos para sustentar esse ‘acho’.
Fiz, recentemente, um livro com um artigo longo sobre
Balzac, a quem conheço bem, e tenho certeza com
o apoio do Lukács – as categorias de Lukács
se prestam à gente extrair muita coisa da leitura
de Balzac. Agora, qualquer marxista, minimamente competente,
que tenha lido Lukács pode dizer isso. Então,
resolvi escrever um artigo sobre o realismo na poesia
de Fernando Pessoa – ponto de interrogação.
Um título inteiramente à vontade. Aí,
as pessoas falaram: “Você está maluco?
Fernando Pessoa? Que merda tem a ver com realismo?”
Eu dizia: “Não sei, não sei.”
Mas o conceito lucacksiano de realismo não se
aplicaria a Fernando Pessoa? Acho que Lukács
não aplicaria. Ele se acovardaria. Mas um lucacsiano
não pode fazer essa experiência? É
claro que o conceito muda. Todo conceito, ao ser aplicado,
já começa a mudar. Para Fernando Pessoa,
o real não existe, o que ele é, não
existe. A realidade é tão chocante para
ele, poeta, tão escandalosamente absurda, que
é uma maneira de criticar essa realidade. Ele
a nega para fins de combate poético. Mas, enfim,
me ligaram várias pessoas dizendo: “O que
é que é isso? Enlouqueceu de vez?...”
ALGO A DIZER –
Naquele seu famoso ensaio “A derrota da dialética”,
você narra e teoriza um pouquinho da recepção
das idéias marxistas no Brasil. Uma trajetória
muito acidentada mas que acabou dando seus frutos. A
gente tem uma tradição no Brasil com Caio
Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, você,
Carlos Nelson, Florestan Fernandes, Werneck Vianna,
entre muitos outros. Qual a característica mais
interessante dessa trajetória marxista no Brasil?
Era para não ter dado em nada, mas produziu coisas
muito interessantes...
LEANDRO KONDER –
Não sumimos. Nós somos inelimináveis
da história das idéias no Brasil. Agora,
o que acho que tem de interessante, junto com outras
características dessa briga, é um certo
esforço para preservar o núcleo de algumas
teorias, de algumas convicções teóricas,
que estavam sendo sustentadas com muita dificuldade.
Por exemplo, a questão da democracia foi posta
de maneira muito enérgica, muito positiva, pelo
Carlos Nelson Coutinho. E a gente na época dizia:
“Você está certo, Carlito, tem que
ser democrático mesmo, não basta ser socialista.”.
O Carlos Nelson então ficou preocupado e falava:
“Tem que ser socialista, não basta ser
democrático.”. A gente respondia: “Tá
certo, mas isso fica subtendido, pois a gente sabe que
a sua briga não era contra o socialismo, mas
contra a exclusão da democracia.”.
Acho que tem essa coisa do democrático que a
gente, de alguma forma, pôs em circulação
para ser discutido. Agora, também foi bom também
um certo espírito critico, uma certa autocrítica.
Às vezes, você pára e pensa: não
tem um momento em que possa haver dúvida; em
que vejamos que, talvez, estejamos equivocados? Mas
é claro que tem.
Quando se olha os autores do passado, há uma
coragem intelectual que me comove, me emociona. O Caio
Prado Junior, o Nelson Werneck Sodré, eles escreveram
numa época de tantas dificuldades... Esse último,
em especial, se identificou demais com umas circunstâncias
que mudaram bastante. Mas é um sujeito com uma
coragem intelectual muito grande. Tem isso. Mas essa
história ainda vai ser ‘retrabalhada’
várias vezes.
ALGO A DIZER –
A idéia de ‘retrabalhar’ é
interessante para pensar também o seguinte: há
uma tradição, que não é
propriamente marxista, mas que bebeu de uma leitura
de Marx aqui no Brasil e trabalhou a questão
nacional de uma maneira importante: Darcy Ribeiro, Celso
Furtado, por exemplo. Talvez, o encontro dessas duas
vertentes possa ser uma coisa de futuro...
LEANDRO KONDER
– Eu acho que sim. Não podemos ficar só
nós conosco, só entre nós. Têm
uns interlocutores que são preciosos. O Darcy
é um cara muito engraçado. Às vezes,
me assustava, mas eu sinto falta dele como interlocutor.
Veja só: uma vez, depois da volta dos exilados,
nosso companheiro Ênio Silveira organizou em sua
casa um encontro do Brizola com intelectuais do Partido.
O Brizola foi acompanhado de duas pessoas e uma delas
era o Darcy. Fomos para lá eu, Carlos Nelson,
Moacyr Félix, e vários outros.
Acabou rebentando uma discussão: Brizola foi
infelicíssimo. Ele disse: “Quando eu estava
no porão do navio, vocês me desprezaram.”
Aí o Moacyr Félix perguntou: “Quem?
O Partido Comunista?”
O Brizola disse: “É, o Partido Comunista.”
Moacyr respondeu: “Você estava no porão
do navio e nós estávamos abaixo de você.”
Foi uma confusão. O Brizola saiu com um companheiro
dele e o Darcy ficou, dizendo: “Gente, gente,
peraí, não acabou ainda não, eu
explico o Brizola. Eu conheço o pensamento do
Brizola melhor do que o próprio Brizola. Eu explico
a vocês.”
O pessoal se dispersou e ele acabou falando só
pra mim: “Leandro, você continua no Partidão?
Eu falei: “Continuo.”
“Então você vai me escutar, vai levar
um recado para a direção do Partido que,
se você transmitir direitinho, pode salvar a esquerda
brasileira. Peça para a direção
do partido procurar o Brizola sem preconceito e fazer
uma aliança. Porque dessa aliança vai
sair a solução dos nossos problemas. Nós
vamos sair da desgraça, vamos chegar ao poder.
Vamos sair do fundo do porão do navio pro poder,
pro poder.”
Eu ria às gargalhadas.
Darcy continuou: “Você está rindo?
Eu entrei no Partido em 45 e li todo o estatuto. E está
lá que só se sai do Partido expulso ou
pedindo demissão. Nunca pedi demissão
e nunca fui expulso. Então, estou no Partido
há mais tempo que você. Antiguidade é
posto e você vai levar esse recado pra direção.”
ALGO A DIZER –
Na época da anistia, 78~79, começou um
grande interesse sobre Gramsci. Até os detratores
que não haviam lido resolveram lê-lo. E,
hoje, como você vê essa recepção
a Gramsci.
LEANDRO KONDER –
Acho que ela está em crise. Durante muito tempo
o Gramsci foi preservado. Era a época em que
a gente falava assim: “Qual o autor marxista,
o teórico, o intelectual que ainda é lido?
Lukács?” Não. Então quem?
E acabava sempre no Gramsci.
(Hoje, mesmo com as dificuldades) Gramsci está
colocando o dedo nas nossas feridas. Ele está
nos interpelando. Ele está desafiando a gente
a pensar as coisas e ele tem uma contribuição
muito interessante, porque é um marxismo menos
construído, menos articulado, mas mais espontâneo
e às vezes, muito vigoroso. É muito forte
o marxismo do Gramsci. Mas, ao mesmo tempo, filosoficamente,
ele tem menos densidade do que o Lukács. Como
filósofo! Em outras coisas, não. O Gramsci
tem umas reflexões que podem se articular –
o Carlito disse isso – também no nível
brasileiro. Com o Lucacks é mais difícil.
Ele é prisioneiro de uma formação
rigorosa – mais rigorosa que a do Gramsci –
como filósofo, mas que não se presta;
não nos ajuda, não contribui concretamente
para nossa briga hoje em dia.
ALGO A DIZER –
Outra coisa importante aí nessa discussão
hoje. Numa entrevista sua, perguntado se você
ainda era socialista, você disse que era mas os
motivos pelos quais permanecia você tinha dificuldades
de definir...
LEANDRO KONDER –
Eu acho mais útil a gente adotar formulações
que sacudam as pessoas. Eu gosto de fazer isso. Chocar.
Pô, e se a gente concluir que o socialismo já
era? Que foi tudo um equívoco, que a humanidade
não tem jeito, que vai ser a lei do cão
– o capitalismo. Aí o pessoal diz: “pô,
Leandro, o que é isso? O que é isso, companheiro?”
ALGO A DIZER –
E essa questão do sujeito? Historicamente, na
tradição marxista há a presença
de um sujeito transformador da História, o proletariado.
Essa noção de proletariado como a gente
conhecia, no século XXI, mudou muito. Então,
o problema da subjetividade virou um problema sério
para nós...
LEANDRO KONDER
– Seríssimo, seríssimo. Acho que
nunca a crise foi tão grande na história
do socialismo. Você falou uma coisa interessante
que a gente, a princípio, pode adotar como meta:
a busca de interlocutores na esquerda que não
estão integrados nessa história do marxismo.
ALGO A DIZER –
Dentro dessa tese, o que você acha do Habermas?
LEANDRO KONDER
– O Habermas resolve os problemas dele num caminho
que já foi trilhado no passado. Ele dá
uma nova forma, um novo tratamento. Ele é muito
brilhante – mas é meio chato. É
muito social-democrático, com todas as ambigüidades
da social-democracia. É até uma expressão
generosa, combativa, da social-democracia, mas é
social-democrático, não tem enigma.
Agora eu pego alguns daqueles sobreviventes do naufrágio
italiano – Giorgio Agamben. É um cara muito
bizarro. Não sei até que ponto ele é
marxista. Talvez seja menos marxista que o Darcy. Mas
ele é engraçado. O livro dele, “Profanações”
(Ed. Boitempo), tem coisas assim: o cristianismo tem
sido estudado como uma religião. Mas também,
pode ser pensado como um projeto de organização
político-social. Então, neste sentido,
vale a pena comparar cristianismo e capitalismo. A igreja
e o movimento político-social partidário.
Aí ele verifica o seguinte: o capitalismo tem
várias vantagens sobre o cristianismo. O Agamben
vai desenvolvendo isso. A gente tem uma formação
cristã no Brasil muito forte. Então, o
que pode passar pela cabeça de um cristão
convicto a leitura disso: “O capitalismo não
tem sentimento de culpa: consuma, consuma, o que você
puder, consuma.” Uma postura diferente da do cristianismo,
cuja ética complica a vida do consumidor.
Então, ele coloca temas, fala coisas engraçadas.
A própria idéia da profanação...
O que é profanar? É você tirar do
religioso e trazer para o humano o que, em determinado
momento tinha sido absorvido pela religião e
que ficou estranho a nós. Se você não
estimular o instinto profanador, o ímpeto profanador,
ele se apropria e é muito prejudicial. A indústria
do turismo – que é a que mais cresce no
mundo – mobiliza massas de pessoas a percorrerem
o mundo à cata de souvenires, à cata de
lembranças – anti-profanador. É
o religioso invadindo a era do profano e emburrecendo
as pessoas. Esses são fenômenos que procuro
acompanhar com certa esperança. Mas sei que não
vai ter fácil sair desse buraco.
ALGO A DIZER –
Agora, Konder, você pode falar sobre marxismo
e psicanálise? Na sua opinião, são
compatíveis?
LEANDRO KONDER –
Dizem meus amigos psicanalistas: “o problema da
psicanálise é tão grave quanto
o de vocês.” (risos)
Falando sério, a contribuição da
psicanálise é muito diversificada. A psicanálise
não entra como uma doutrina. Como doutrina ela
tem também seu papel, sua dimensão provocadora
no bom sentido. Mas acho que ela entra muito mais como
um patrimônio cultural. Intelectuais, teóricos,
filósofos, cientistas foram trabalhando temas
que faziam eco da psicanálise – certa presença
de inspirações psicanalíticas.
Eu acho que esse inventário da psicanálise
é muito difícil de fazer, justamente porque
você tem zonas intermediárias entre o psicanalítico
e o não psicanalítico. Essas zonas muito
preciosas, porém difíceis de serem mapeadas.
As pessoas, em geral, ou se entusiasmam ou se decepcionam.
Não há porque se entusiasmar exageradamente.
Mas é uma contribuição importante.
Dependendo de como a gente trabalhe, ela pode dar uma
contribuição importante. Até porque
ela sofre o assédio de setores conservadores
que adoram bater na gente também.
ALGO A DIZER –
Em um de seus livros, você fala do homem burguês.
Como seria possível superar esse homem burguês?
LEANDRO KONDER
– Para nós, como poderíamos deixar
de ser homens burgueses? É possível, claro
que é possível. Mas o caminho seria um
projeto de criação de bases para um homem
não burguês. A sociedade burguesa, tal
qual ela está organizada, o capital, que surgiu
em torno do mercado, nos deforma. Tenho consciência
que, desde os tempos em que eu matava as tarefas do
Partido, já nos idos de 1950, eu tenho algo de
burguês, algo de pequeno burguês preguiçoso.
Mas tenho a clareza de que é possível
criar um homem novo se você tiver instituições
novas, uma sociedade nova – e isso foi tentado
e não funcionou. O socialismo, por enquanto,
não criou isso. Eu não estou dizendo que
não tenha jeito. Espero que tenha. Mas não
é fácil.
ALGO A DIZER –
Hoje, tem dois caminhos claros para a esquerda, em termos
táticos: uma parte da esquerda está fazendo
apoio crítico ao governo Lula e uma outra parte
que está no campo da oposição ao
governo Lula. Isso dá pano pra manga, mas não
é isso que quero te perguntar. Os dois campos
se ressentem de uma sensação de impotência
na realização de um avanço democrático
radical, com uma ênfase mais pronunciada na justiça
social – essas coisas que caracterizam a perspectiva
socialista. A isso, Chico de Oliveira chamou “
irrelevância da política”.
O que você acha?
LEANDRO KONDER
– Acho que o Chico Oliveira faz um tipo de coisa
que é preciosa, difícil de fazer. E está
gerando mal-entendidos. A história vista num
período de 20 anos é uma história
tensa, agitada, com dramas políticos, momentos
dramáticos, tensos. A história vista numa
escala de 300 anos, você já começa
a ver as grandes costuras, a perceber que aqui houve
uma articulação interessante de política
com cultura, ali um movimento espiritual, o surgimento
de uma religião nova. Aí você vê
as coisas em termos de mil anos. Então, você,
queira ou não, está fazendo filosofia
da história, uma coisa muito abstrata, mas é
uma coisa que também é necessária.
Precisamos combinar essa coisas: os 20 anos, os 300,
os mil anos. O Chico Oliveira faz isso. Ele não
fez opção por um projeto filosófico.
Mas ele filosofa no trabalho dele. Nesse sentido, a
Economia passa a ser expressiva, passa a ser mais significativa,
quando ela é parte de um projeto político.
ALGO A DIZER –
Você está lançando o livro. Fale
sobre ele.
LEANDRO KONDER –
Lancei um sobre o amor. Um aluno meu disse: “dessa
vez você sacaneou, com um livro sobre o amor,
ninguém vai poder falar mal de você.”
Disse isso, intuindo uma certa simpatia que não
se realizou. O Jornal do Brasil deu muita força.
O Globo não mencionou. Os jornais de S. Paulo
também não. O Estadão deu uma notinha...
ALGO A DIZER – Eles não gostam do amor...
Também acho isso. Aliás, tem um cara que
é jornalista e que eu acho muito engraçado,
filho de um comunista, sindicalista, o Ricardo Boechat.
Ele tem pedigree, conheci o pai dele. Ele é muito
engraçado. Tem um programa de rádio...
Na televisão ele é mais quadradão...
Mas no rádio... Ele comentou o caso daquele promotor
de S. Paulo que foi à praia e, com ciúmes,
matou, com vários tiros, um cara que mexeu com
a namorada dele. Aí a televisão dramatizou
o caso, entrevistou os irmãos da vítima,
os pais, revoltados com a prisão especial do
sujeito, da liberdade de ir para casa. O Boechat ficou
brabo e, no rádio, falou: “a insegurança
desse promotorzinho é típica de quem tem
o pau pequeno.”
Eu acho muito boa a existência dessa coisa menos
certinha. As pessoas andam muito morrinhas, medindo
demais as palavras. Não é bom. Se a moderação
se impõe, nós estamos ferrados. A moderação
tem um conteúdo conservador, e quem está
lutando por isso são os eternos gigolôs
da moderação, que são os liberais.
ALGO A DIZER –
Qual sua opinião sobre aquela emigrada russa,
naturalizada norte-americana, Ayn Rand, e suas opiniões
sobre a superioridade moral do capitalismo?
LEANDRO KONDER –
Há uns 30 anos atrás ela não
teria grande repercussão. Mas de lá pra
cá, o deslocamento para a direita tem sido fortíssimo.
É só ver esse fenômeno de articulistas
raivosos, horrorosos, de extrema direita. Eu às
vezes leio e acabam me agradando muito. Os comunistas
estão no poder! Se infiltraram na imprensa, controlam
o aparelho de estado... Eu leio e sei que é um
absoluto exagero, mas me dá uma sensação
de importância, de poder. (risos)
É um conservadorismo assumido, direitaço,
que há 30 anos atrás não tinha.
Quer dizer, tinha, mas era aquele maluco, o louco da
família. Agora, é o orgulho... Meu impulso,
há 30 anos atrás, era não ler,
jogar isso pro lado: não tenho tempo a perder.
Agora não. Agora tenho que ler a direitaça
e reconhecer alguma competência. Afinal, eu quero
é brigar com eles e vencer.