Egos - Os ecos de uma madrugada sem arte
Por Ana Cecilia Reis
O conceito de arte sempre foi um tema polêmico.
Qualquer expressão que se diz artística
é arte? Que tipo de expressão é
arte? A arte tem limite? A arte permite julgamentos?
O fazer artístico segue um manual? Ao menos em
tese, quem faz arte se questiona o tempo todo. É
tudo tão relativo assim? Dizem que é difícil
saber ao certo o que é arte, mas muito fácil
saber o que não é. Mas a partir da análise
de quem? Sob que ponto de vista?
A introdução confusa serve para iniciar
o relato pessoal (e por que não dizer desabafo?)
após uma noite confusa, vivenciada na Livraria
Letras & Expressões do Leblon.
A Livraria Letras & Expressões é um
espaço conceituado, e o "Corujão
da Poesia – Universo da Leitura" parecia
ser um espaço onde os artistas se reúnem
para trocar idéias, mostrar seus trabalhos, conhecer
pessoas e interessadas em discutir cultura. Parecia
ser. Não é. O que eu encontrei na famosa
e "cult" madrugada poética é
preocupante.
Ao chegar na livraria, me deparei com um pequeno palco
improvisado, rodeado por estereótipos. As pessoas
que apresentavam seus "trabalhos" gritavam
ao microfone; exaltadas, as que assistiam falavam (e
riam) bem alto e veneravam um autor-ator (!?) presente,
que fazia gracinhas para seus "fãs".
Inevitavelmente deslocada, tentei ficar no canto, sentindo
uma profunda vergonha do alheio. Descobri que havia
um café no segundo andar, me desloquei para lá.
Bebi, relaxei e comecei a prestar atenção
ao que estava sendo lido e de que maneira estava sendo
lido.
Os "artistas" presentes, num ato desesperado
(e agressivo) em busca de atenção, performatizavam
a poesia (de rimas pobres e conteúdo duvidoso)
da maneira mais esdrúxula possível, provocando
gargalhadas em mim (a deslocada) e profunda admiração
nos demais presentes. O prazer que tive com isso foi
momentâneo. Ri sim, e muito. Mas depois, aos poucos,
a ficha foi caindo, e comecei a refletir sobre aquele
"espetáculo".
Mais do que a pergunta inicial "O que estou fazendo
aqui?", ficou a pergunta principal: "O que
eles estavam fazendo ali?" Puro nada. Tudo que
ecoava no ambiente era: ego, ego e ego. Status, ânsia
de mídia, extremo vazio de reflexão.
Eles interpretavam em frente a um espelho, sendo uma
superficialização de si mesmos.
E foi então que comecei a me questionar se alguém
ali dentro saberia diferenciar ego de arte. A mídia
oficial, que vende esses espaços "poéticos"
como o que há de mais "artístico"
acontecendo pela cidade, não está preocupada
com isso. Para ela, não faz a mínima diferença
um debate sobre "poema-práxis" ou uma
gritaria sobre "a crise da crase" ou a hipótese,
levantada no evento, de que "os marcianos sentem
depressão" (sic); a divulgação
desses espaços badaladinhos obedece a uma lógica
de troca de favores e produtos.
O que predomina é a política da boa (ou
péssima?!) vizinhança, do "elogia
o meu que eu elogio o seu". A velha e conhecida
panelinha, em versão precária. De tanto
ouvir os vazios elogios bate-e-volta, aqueles "artistas"
realmente acreditam que são bons, e que seus
amiguinhos são "o que há", pois
vivem isolados, voltados para seus próprios umbigos.
E se por acaso ouvirem alguma crítica, responderão:
"é tudo inveja, adorariam estar no meu lugar".
E eu me pergunto: em que lugar? Tudo que eu consigo
enxergar são cães correndo atrás
de seus próprios rabos, achando que isso é
que é diversão. Não importa que
não haja trabalho artístico; tudo, num
evento como o "Corujão da Poesia –
Universo da Leitura", é uma homenagem deles,
artistas do ego, para eles mesmos.
Com colaboração de Gustavo Dumas
Ana Cecilia Reis é atriz, produtora e assistente de direção
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